Beleza Padronizada
Conquistar o visual perfeito é um verdadeiro tormento para homens e mulheres
Entrevista com Olga Tessari
Elas estão por toda a parte: em revistas, jornais, televisão, cinema, desfiles de moda, nos outdoors. São imagens de corpos perfeitos. Nas mulheres, eles são magros e bem definidos; nos homens, fortes e musculosos. Assim como as roupas da moda e as novidades no mundo da tecnologia, essas imagens se tornaram um grande sonho de consumo.
Diante do bombardeio feito pela mídia – que de tempos em tempos nos impõe algum tipo de comportamento –, alcançar esse ideal de beleza virou sinônimo de sucesso e felicidade. As mulheres, sem dúvida, são as que mais sofrem.
Beleza padronizada
Para comprovar essa afirmação, basta dar uma olhada à sua volta. As mulheres estão cada vez mais parecidas: cabelos alisados, roupas idênticas e acessórios que parecem ter saído da mesma fábrica, transformando tudo numa beleza padronizada.
“Acho irônico que um país com uma diversidade de raças tão legal como o nosso esteja repleto de mulheres com a beleza padronizada, totalmente escravizadas pela moda. Parecem uns clones. Quem opta pela individualidade, hoje, é visto como esquisito. Parece que não se pode mais ter personalidade”, observa a estudante Cynthia de Oliveira, 20 anos.
Enquanto isso, quem fatura são as indústrias ligadas à estética e à beleza. Só para se ter uma ideia, nos Estados Unidos a população gasta muito mais com beleza do que com serviços sociais e educação. A cada minuto, são vendidos cerca de 1,5 mil batons e 2 mil potes de produtos para a pele.
Por aqui, nota-se o crescente número de publicações que falam exclusivamente de beleza e boa forma. Nas ruas, é cada vez maior o número de academias de ginástica.
Nas prateleiras de farmácias, supermercados e lojas de departamento, de tempos em tempos surgem novos produtos que prometem resultados rápidos ou “milagrosos” contra uma série de problemas relacionados aos cabelos, ao rosto, à celulite ou à gordura localizada.
E tem mais: nunca as clínicas de estética e os consultórios dos dermatologistas e endocrinologistas faturaram tanto com tratamentos de beleza, perda de peso e combate ao envelhecimento.
A insatisfação em números
O fenômeno é mundial, mas no Brasil os dados são gritantes. As brasileiras são as que mais idealizam as cirurgias plásticas estéticas em busca de uma beleza padronizada.
Uma pesquisa feita pela Unilever em 10 países com 3,3 mil mulheres mostra que as brasileiras estão em primeiro lugar entre as que desejam passar por esse procedimento. É o sonho de 63% delas, contra 38% das mexicanas, 30% das sauditas e 25% das americanas.
A mesma pesquisa mostra, ainda, que 89% das brasileiras gostariam de mudar algo em seu corpo.
Essa insatisfação com a imagem refletida no espelho acaba atingindo o cotidiano dessas mulheres, a ponto de impedir que elas desempenhem tarefas do dia-a-dia.
Ainda de acordo com a pesquisa, sete em cada dez mulheres desistem de fazer alguma coisa quando estão se sentindo horrorosas, como ir à praia, a uma festa, a uma entrevista de emprego e até mesmo ao trabalho.
Outros estudos mostram que, mesmo entre pessoas consideradas bonitas, os índices de insatisfação com o próprio corpo chegam a 100%, justamente porque não chegam àquela beleza padronizada.
Autoestima, uma aliada
O ponto principal de tantos problemas relacionados à busca desenfreada por uma perfeição que não existe é o amor próprio.
“As pessoas com baixa autoestima sentem necessidade de ser aceitas, valorizadas. E são elas as pessoas mais obcecadas com a aparência, buscando no outro a aprovação que elas mesmas não se dão”, explica a psicóloga e psicoterapeuta Olga Tessari, autora do livro Dirija Sua Vida Sem Medo.
Segundo Olga Tessari, tanta propaganda pelo ideal de beleza fez com que surgisse a ideia de que uma pessoa bonita é mais segura de si, por isso faz mais sucesso entre os amigos e os colegas de trabalho.J
á a psicóloga Priscila Faria Gaspar aponta que a maturidade emocional é uma das grandes responsáveis pelo aspecto físico.
“Todos sabemos, de forma consciente ou não, que não somos perfeitos. O difícil é aceitar essa imperfeição e manter uma boa autoestima, ou seja, uma boa aceitação. Se não nos sentimos seguros com nosso próprio corpo, dificilmente vamos conseguir aparentar beleza”, afirma.
Para agradar a quem?
“Existe uma pressão pela aparência, sim, mas acredito que as mulheres se submetem a esses sacrifícios mais para competir com outras mulheres do que para agradar aos homens. Não acho que, para eles, beleza seja tão fundamental assim”, opina a advogada Adriane Lemos, 26 anos.
No entanto, o engenheiro agrônomo Rodrigo Bertuol, 30, não concorda. “Se não houver algo minimamente atraente na mulher, não adianta aquele papinho de beleza interior. Se não vier acompanhada de uma bela embalagem, dificilmente uma mulher consegue me conquistar”, garante.
Divergências à parte, eles concordam que existe um exagero na busca incessante pela perfeição.
“Ninguém precisa fazer sacrifícios para ficar igual a alguém bonito e famoso. Com autoestima elevada, você busca pessoas que estejam no mesmo nível. Beleza, para mim, é fundamental, mas amar aquilo que você vê no espelho todos os dias é um belo atalho para a felicidade”, defende Rodrigo.
Espelho, espelho meu
Fanática por atividades físicas e tratamentos de beleza, a estudante Rafaela Pimenta, 22 anos, não perde a chance de se cuidar. Com tendência a ganhar peso com facilidade, ela não descansa enquanto não acha que está bem.
“Fico péssima se não vou à academia, tenho de estar sempre em movimento. Se como demais em um dia, malho dobrado no outro. É hipocrisia dizer que as pessoas não ligam se você está gorda ou magra. Fui bem gordinha na adolescência e senti na pele o que é ser motivo de piadinhas e preconceito”, diz ela.
Rafaela diz que não hesitou em passar por algumas cirurgias plásticas depois de emagrecer. “Fiz e faria de novo, se precisasse. O importante é a gente se sentir bem na frente do espelho”.
A jornalista Lívia Guimarães, 25 anos, defende a plástica na hora de corrigir algumas imperfeições.
“Eu já fiz, mas condeno quem faz por preguiça ou vaidade em excesso. Se tiver um problema de saúde ou um problema psicológico, que prejudique o relacionamento com as outras pessoas, eu acho certo. Mas, nos outros casos, é puro exagero. E as pessoas cada vez mais estão perdendo a noção disso”, comenta Lívia.
Para a psicóloga Priscila Gaspar, a obsessão pelos padrões corporais pode mudar com a busca da individualidade e a aceitação de que, mesmo com todos os artifícios disponíveis, muito da beleza vem de dentro.
“Um aspecto interessante é o quanto a autoestima e uma boa imagem corporal podem tornar uma pessoa mais bonita. A pessoa tem postura ereta, olhar profundo, e todos os seus gestos transmitem confiança, de forma que ela se embeleza. Então, em vez de fazer sacrifícios, é muito melhor aprender a amar a si mesmo. Faz toda a diferença”, recomenda.
“O corpo perfeito é uma ilusão” – Não existe uma beleza padronizada!
Psicóloga critica o excesso de cobrança pela aparência perfeita
Para a psicóloga Olga Tessari, a sociedade atual esqueceu de seus principais valores para dar importância excessiva à beleza e à busca de aceitação social por meio de uma aparência idealizada, uma beleza padronizada, nem sempre atingível. Confira abaixo a entrevista que ela, autora do livro Dirija Sua Vida Sem Medo, concedeu à Paradoxo.
*as respostas de Olga Tessari estão registradas de acordo com a Lei dos Direitos Autorais
Revista Paradoxo – Por que existe uma cobrança tão grande em relação à aparência?
Olga Tessari – Estamos numa época em que vale mais a aparência do que a essência, o status em detrimento do conhecimento. Nesse sentido, quem tem um corpo bonito tem mais destaque na mídia, no rol de amigos ou até mesmo no trabalho, pois a aparência é o que conta.
Revista Paradoxo – Por que uma boa aparência é interpretada como sinônimo de sucesso e aceitação na sociedade?
Olga Tessari – Talvez porque vivemos uma época de descrença nos valores sociais vigentes, porque existe um mito de que uma pessoa de boa aparência tem alta autoestima e é segura de si.
Revista Paradoxo – Qual o papel da mídia nessa história?
Olga Tessari – A mídia é fundamental para determinar valores, criar conceitos ou mesmo para difundi-los. É ela quem determina o padrão de beleza vigente. Se na Idade Média a gordinha predominava como padrão, até porque indicava que ela era abastada, porque tinha o que comer, hoje em dia busca-se um padrão de beleza esquelético, algo irreal, que faz com que a indústria da beleza ganhe muito dinheiro.
Revista Paradoxo – Algumas pessoas estão tão neuróticas com a aparência que abandonam a vida social, evitam frequentar lugares públicos e até faltam ao trabalho quando acham que não estão bonitas. E isso é mais comum entre as mulheres. Qual a sua opinião sobre isso?
Olga Tessari – Se a mídia valoriza o belo, se somente a pessoa bonita tem “permissão” e aceitação na vida social, então é lógico que as pessoas que não se adaptam a esse padrão sentem-se naturalmente excluídas ou fogem do convívio social, porque têm receio de serem criticadas pelo “descuido” ou “desleixo” com a aparência.
Quantas pessoas com excesso de peso culpam-se por não terem “força de vontade” para emagrecer? Sabemos o quanto isso é difícil, que existe uma série de fatores que colabora para que uma pessoa tenha dificuldades em fazer uma dieta e que não atingir esse feito nem sempre é por causa de uma fraqueza dela.
Mas quem consegue convencê-la disso, se todos dizem que para emagrecer é só fechar a boca? Ela se considera culpada por não conseguir ficar magra e isso a leva ao isolamento. As mulheres são as que mais sofrem. Afinal, elas são avaliadas pelas outras mulheres onde quer que estejam!
Os homens ainda não se preocupam muito com isso, embora tenha crescido o número de homens obcecados pela boa aparência.
Revista Paradoxo – Hoje notamos que até crianças e adolescentes estão se cobrando mais quanto à aparência. Vemos a garotada falando em dieta, fazendo ginástica cada vez mais cedo e até sonhando em ganhar uma lipoaspiração de presente de aniversário. Como você vê esse fenômeno?
Olga Tessari – É importante frisar que a boa alimentação e a prática de atividades físicas fazem bem à saúde, embora o que vemos são pessoas fazendo qualquer coisa para atingir o padrão de beleza padronizado que é valorizado atualmente.
Hoje os valores sociais estão ligados predominantemente à aparência, não mais à valorização do estudo, do conhecimento, tanto que pessoas que se dedicam a estudar ou pesquisar apenas são vistas de forma pejorativa, como nerds. Parece que, para ser alguém na vida, você precisa, antes de tudo, ter a aparência perfeita, similar à da modelo “X”.
Revista Paradoxo – Você acha que esse tipo de comportamento por parte das crianças e adolescentes, além de ser resultado da “pressão” da sociedade, é influenciado ou incentivado pelos pais?
Olga Tessari – Muitos pais incentivam e pressionam de forma direta ou camuflada. A forma direta está ligada ao fato de os pais sentirem-se orgulhosos em exibir filhos de corpos perfeitos, como se isso fosse um troféu, ou porque por se preocuparem também com sua própria aparência, ensinam desde cedo seus filhos a agirem como eles.
Além do mais, muitos pais pensam que podem sobreviver às custas da beleza dos filhos, implantando uma ditadura dentro de casa para que tenham uma aparência perfeita para desfilarem ou fazerem propagandas.
Revista Paradoxo – Quais consequências podem advir da obsessão pela aparência e pela vontade de se encaixar nos padrões?
Olga Tessari – Num primeiro momento, as pessoas, em geral, tentam se adequar ao padrão vigente. Quando não conseguem, tem sua autoestima diminuída, sentem-se desvalorizadas, não-aceitas, o que pode fazer com que desenvolvam depressão.
Por outro lado, a obsessão pela manutenção da aparência perfeita, depois de conseguida, pode levar a pessoa a se tornar muito ansiosa, a fugir de determinadas situações sociais para não comer, com medo de engordar, a evitar o contato com determinadas pessoas que podem fazê-la comer demais…
Enfim, ela pode acabar por desenvolver síndrome do pânico pela elevação absurda da ansiedade na tentativa de controlar sua vida para manter a forma física desejada. Como vive em função dessa obsessão, acaba por afastar pessoas importantes de sua vida e torna-se fútil, pois fala e pensa nisso o tempo todo, o que pode levá-la, depois de algum tempo, a uma sensação de vazio existencial.
Revista Paradoxo – Você acha que estar dentro dos padrões de beleza aumenta as chances de se conseguir emprego ou conquistar um parceiro?
Olga Tessari – Nem sempre, porque, se fosse assim, não veríamos casais os mais diversos possíveis. Vejo homens lindos com mulheres feias, mulheres lindas com gordinhos e por aí vai…
Ou seja, estar dentro dos padrões pode até colaborar para aumentar suas chances de emprego ou de conquistar um parceiro, mas o que vai contar mesmo para manter essa conquista, em ambos os casos, é o conhecimento, o perfil de personalidade, a forma de lidar com o dia-a-dia, a forma de convívio com problemas, além da maneira de lidar com o outro.
Revista Paradoxo – Qual seu conselho para as pessoas que estão sofrendo com essa obsessão com a aparência?
Olga Tessari – Mudar o que pode ser mudado, caso o incomode, mas aceitar o que não é passível de mudança. Além disso, aceitar que todos somos diferentes e que a beleza da vida está nessa diversidade.
Que mal há em ter alguns quilinhos a mais, desde que isso não interfira na sua saúde? Por que passar a vida em busca de um ideal de beleza, sabendo que a perfeição é uma ilusão? E por que acreditar que, se não se encaixar no padrão de beleza vigente, você será marginalizado?
O que conta mais, sua aparência ou sua essência? A aparência pode mudar, ela não é estática, envelhecemos, mas a essência é eterna. Vale a pena pensar nisso.
Matéria publicada no site Paradoxo por Ana Luiza Silveira
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OLGA TESSARI – Psicóloga (CRP06/19571), formada pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa e atua com novas abordagens da Psicologia Clínica, em busca de resultados rápidos, efetivos e eficazes, voltados para uma vida plena e feliz. Ama o que faz e segue estudando muito, com várias especializações na área. Consultora em Gestão Emocional e Comportamental, também atua levando saúde emocional para as empresas. Escritora, autora de 2 livros e coautora de muitos outros. Realiza cursos, palestras e workshops pelo Brasil inteiro e segue atendendo em seu consultório ou online adolescentes, adultos, pais, casais, idosos e famílias inteiras que buscam, junto com ela, caminhos para serem felizes! Saiba mais